A orca no avião

Descrição

eis uma poesia ardilosa. sofia mariutti alterna a leveza sardônica com a paixão pela observação dos afetos. a poeta vê, analisa e põe-se a cantar: e a partir disso mostra a rachadura na xícara que nos permite antever todo um império prestes a desabar. império dos sentidos? de um gênero sobre outro? talvez, mas também daqueles costumes imperiosos que nos embotam e embaçam o olhar para as coisas que importam.

o amor, o humor, uma esperteza safa e profunda, desejo e confissão – além do desejo de confissão – vão dando forma a um eu lírico que é, a um só tempo, todo mundo e esta mulher, todas as épocas e estes dias em particular, toda a natureza e esta cidade meio selvagem que coube à poeta viver. daí a impossibilidade lancinante de uma orca no avião: a carne de um dos maiores animais a habitar as águas e o ferro que antes de oxidar rasga nossos ares.

leitura forte, aquilo que sofia deglute aparece aqui e ali, entre piscadelas cúmplices e risadinhas de ilustrada ironia. essa ironia vem a reboque de uma voz que entoa algumas das canções mais desesperadas que você deve ter lido nos últimos tempos. tudo embalado numa leveza sisifante, ou seja, a poeta sorri enquanto carrega pedras. não é pouca coisa, convenhamos.

“toada da vida é temor: / tremo de medo da morte”, escreve sofia em um poema que, não por acaso, se chama ” trama”. uma rede jogada num mar de referências que vai de sá de miranda a sá-carneiro, mas que também arrasta, no seu repuxo ao longo das páginas, szymborska e leminski, drummond e ana cristina césar.

a “orca no avião” é a estreia em livro dessa poesia que cresce a céu aberto. um encontro com uma sensibilidade muito particular.

leandro sarmatz